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Sonhos
 

Os sonhos são fenômenos que intrigam e interessam a humanidade com seus aspectos e linguagem inconsciente desde tempos remotos. Há vários exemplos em praticamente todas as culturas. Por exemplo, a bíblia contém inúmeras passagens onde os sonhos aparecem como uma forma de comunicação entre o divino e o humano.

 
 
 
Mas, como a ciência ocidental trata o fenômeno do sonho? Todos sonhamos? Mesmo os que dizem não se lembrar dos sonhos todas as noites, relatam se lembrar algumas vezes. O que se constata é que às vezes as pessoas não se recordam dos sonhos, mas o fenômeno costuma ocorrer praticamente todas as vezes que dormimos. É um evento natural e esperado, que independe da vontade do ego. Da mesma forma que o ato de dormir, comer, respirar, etc.
 
 
 
 
Por tanto, o fenômeno dos sonhos é natural e esperado. Parece ser um produto espontâneo e auto regulador, já que os relatos de experimentos de privação de sonho resultam em consequências patológicas graves ao equilíbrio físico e psíquico.
 
 
 
 
Na psicologia há várias linhas de abordagens teóricas e práticas. Adoto a abordagem psicodinâmica da psicologia analítica de C. G. Jung. Para Jung os sonhos em geral são compensatórios, ou seja, reequilibram o universo inconsciente e o consciente. Diferente da psicanálise de Freud, que restringe os sonhos como manifestações de desejos reprimidos. Na psicologia analítica, Jung e os pós-junguianos, os sonhos são estudados de diversas formas, que resumirei a seguir, acrescentando meus pontos de vista.
 
 
 
 
É comum encontrar intepretações literais dos sonhos em manuais ou palpites populares. Esta seria uma visão limitada dos sonhos como signos, ou sinais pré-estabelecidos, como por exemplo: sonhas com cobra é igual a traição, ou sonhar com algum conhecido significa que ele sofrerá o que sonhamos. Mas, será que ao sonhar com algum conhecido, as imagens dos nossos sonhos representam a pessoa em si? Será que é sempre o mesmo significado para todos? Será que todos os sonhos preveem o futuro? Estas são questões polêmicas.
 
 
 
 
O que observamos é que este fenômeno nos mostra em geral um “autorretrato” da psique como um todo de forma sistêmica. Os sonhos têm significados pessoais que falam do estado do sonhador, e suas posturas e tendências. Os sonhos são repletos de símbolos, conteúdos com significado pessoal parte consciente e parte inconsciente, e que exercem um fascínio próprio. E ao observar o sonho e o sonhador encontramos nos sonhos uma linguagem marcantemente inconsciente da dinâmica do sonhador. E por isso, parecem sem sentido ao ego consciente do sonhador. Às vezes apresenta um aspecto compensatório a atitudes conscientes, como por exemplo, uma pessoa introvertida sonhar ser extrovertido, e vice-versa. Ou encontrarmos nos sonhos as mesmas dinâmicas que a pessoa adota ao conduzir sua vida consciente e inconsciente. A experiência mostra que raras vezes os sonhos são premonitórios, em geral por ser um retrato da dinâmica apontam sim, tendências. Infelizmente os sonhos premonitórios só são passiveis de constatação após os acontecimentos se concretizarem na realidade. Jung salientou para o cuidado da supervalorização do inconsciente.
 
 
 
 
Vimos que, existem basicamente três tipos de sonhos. Os chamados de sonhos pequenos, corriqueiros, que demonstram o dinamismo do sonhador. Sonhos grandes, que podem mudar a vida do sonhador, veja os relatos bíblicos, ou históricos com sonhos. Em geral são sonhos também chamados arquetípicos, que contém aspectos do inconsciente coletivo, são muito intensos já que contém grande carga energética. Os arquétipos são os componentes do inconsciente coletivo, e formam as bases dos padrões humanos. Como os sonhos ocorrem com rebaixamento da consciência os conteúdos inconscientes são manifestos de forma mais aparente. E os raros sonhos premonitórios, que geralmente não tem haver como o sonhador, e só são identificados após a confirmação da previsão.
 
 
 
 
Jung descreve quatro etapas dos sonhos, de uma forma mais esquematizada: 1) Exposição; 2) Desenvolvimento; 3)Clímax; 4) Solução.
 
     
   
“A exposição abrange uma indicação de lugar, dos principais protagonistas, da situação inicial, sugerindo as questões que o sonho irá levantar. No desenvolvimento o enredo se complica e uma “tensão clara se desenvolve não se sabe o que irá acontecer” (CW8, par 562). No clímax algo bem definido acontece, ou a situação muda. Nem todos os sonhos têm uma solução, porém há uma situação final (final, em termos de narrativa, porque na verdade nada pode ser resolvido).” (SAMUELS, p 275, 1989)
 
     
 

Para não incorrer na quebra de sigilo, utilizo o exemplo do mesmo autor, acima citado, para ilustrar com o sonho de uma paciente de 28 anos de idade, que procura o psicoterapeuta devido ao sonho a seguir:

 
 
   
Exposição: Estou num hospital para uma operação no quadril. Uma enfermeira entra e me conta que foi cometido um erro.
Desenvolvimento: Devido a esse erro agora estou com câncer.
Clímax: Estou muito perturbada e com raiva, porém decido não dizer ou fazer nada.
Solução: Porque não quero magoar os sentimentos da enfermeira. (ibid, p 275)
 
 
O terapeuta coletou as associações da paciente a respeito do sonho e seus elementos, para não incorrer em preconceitos de significados que o mesmo poderia sugerir ou subentender. Já que os símbolos são exclusivos de cada sonhador. Depois, o terapeuta amplificou (método desenvolvido por Jung) utilizando a mitológica, observando o aspecto similar com o arquétipo do “médico ferido”, “curador ferido”, ou Quíron.
 
O terapeuta respeitando o processo da paciente a principio recolhe as associações sobre o sonho:
 
   
“[...] a figura da enfermeira foi identificada pela paciente como “sendo” sua mãe, e o câncer, o resultado do relacionamento entre elas. Em linhas gerais, suas outras associações incluíam: erros cometidos em hospitais, a unilateralidade da medicina moderna e as possíveis ligações entre a psique e o soma. A princípio ela não me mencionou em conexão como o sonho. [...] Na sessão seguinte, a paciente contou-me que, ao chegar em casa naquela noite, tivera uma explosão de raiva e esmurrara sua cama para dar vazão à sua fúria. Foi um comportamento bem pouco característico, eu lhe disse que ela não deixara que esse sentimento violento aparecesse durante a sessão. Seria falta de confiança em mim? Ou achava que eu cometera erros durante o processo? Não, respondeu ela, mas tinha de fato, duvidas se eu poderia ajuda-la, e receava admitir isso e ferir meus sentimentos. Pudemos, então discutir esse aspecto transferencial do sonho. [...] Eu me vi querendo que ela ajudasse a si mesma, e juntos examinamos porque ela não conseguia agir em relação a seus problemas e qual era o lucro secundário que seu desamparo lhe dava. Assim, sucessivamente, aquela enfermeira “era” sua mãe, o analista, um curador interior imperfeito e, até mesmo, uma enfermeira.” (ibid, p 276)
 
 
Podemos perceber então, o quanto complexo pode ser o sonho, que é um produto espontâneo do sonhador, e pode ser revelador a busca da interpretação, mesmo que parcial, já que os símbolos não se esgotam e um mesmo sonho pode ser revisto com novos olhares quase que inesgotavelmente, assim como o inconsciente é a priori. Por tanto, a visão reducionista não abrange a riqueza deste fenômeno que se bem utilizado pode ser uma “porta ao mundo onírico” e a riqueza criativa do inconsciente, ou da própria natureza.
 
   
“O sonho é uma pequena porta oculta nos mais recônditos e secretos recessos da alma, abrindo-se para aquela noite cósmica que era a psique muito antes de existir qualquer consciência do ego, e que continuará sendo psique, não importa até que ponto se estenda nossa consciência do ego.” (CW 10, par 304)
 
 
Como todos os fenômenos ou características podem ser simbólicos, nos encantar e fornecer pistas para novas visões do autoconhecimento, do mundo interno e externo. Os fenômenos que a natureza nos apresentam, quando bem assimilados, enriquecem nosso processo de crescimento e aprofundamento. E o canal natural, espontâneo que todos vivenciamos todos os dias, que nos leva a reestabelecer a conexão, ou integridade, que muitas vezes perdemos com a ansiedade durante o tempo de vigília, são nossos próprios sonhos... em todos os sentidos.
 
   
“O paciente e eu, juntos nos dirigimos ao homem de 2.000.000 de anos de idade que está em todos nós. Em última análise, a maioria de nossas dificuldades vêm da perda de contato com nossos instintos, com a antiqüíssima sabedoria inolvidável acumulada em nós. E onde entramos em contato com esse homem antigo em nós? Em nossos sonhos.” (JUNG, 1978, p 100)
 
 
Nilton Kamigauti - 2012
 
 
Referencias
 
 
 
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