REVISTA
NIDA NATURAL E EQUILÍBRIO ED 53
O seu lado B
Costumamos negar e empurrar nossos aspectos negativos para o fundo da
consciência. Reconhecê-los e aceitá-los como parte
de nós, porém, pode ser transformador
Por Angela Tessicini
FOTO SHUTHERSTOCK
Quando tomamos consciência de nosso lado B, o ego se reorganiza,
abrindo novas possibilidades para a vida
Lembra da última vez
em que, durante uma crise de ansiedade, você "atacou"
a geladeira pondo a perder um longo regime? Ou da ocasião em que
aquela sua amiga calminha, que ninguém nunca consegue tirar do
sério, bebeu um pouquinho além da conta e acabou por perder
as estribeiras com uma pessoa que não tinha nada a ver com a situação?
Reações desse
tipo, inesperadas e destrutivas, são fruto dos nossos sentimentos
reprimidos. Quando não gostamos de alguns aspectos de nossa personalidade
- batizados pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung
(1875-1961) de "sombra" - fingimos que eles não existem
e os deixamos bem trancados lá no porão da consciência.
Mas como ninguém gosta de ser ignorado, na primeira chance esses
lados ocultos irrompem sob forma de reações exageradas,
criando situações muitas vezes embaraçosas.
"A sombra representa as partes de nós que não aceitamos,
a pessoa que preferiríamos não ser", explica o psicoterapeuta
Nilton Kamigauti, de São Paulo. Nela habitam tanto sentimentos
"negativos" como medo, raiva, ciúme, entre outros, como
também coisas boas, mas reprimidas, por exemplo, os talentos que,
por algum motivo, deixamos de desenvolver. "É nela que guardamos
nossos potenciais", diz.
Revelando a escuridão
Ao pararmos de julgar de forma negativa esses aspectos da personalidade,
podemos achar uma maneira de usá-los a nosso favor. "A raiva
que sentimos pode ser usada para impedirmos que nos explorem. O egoísmo
pode ser redimensionado para ajudar a pensar menos no bem-estar dos outros
e um pouco mais no nosso", explica a psicóloga Angelita Corrêa
Scardua, mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo
(USP). Apesar de não ser nada fácil admitir essa face oculta
- afinal, seria como expor nossa vida secreta - aceitar que amor e ódio,
alegria e tristeza, criatividade e espírito de destruição
estão presentes em todos nós é acolher tanto o próprio
lado luminoso quanto o lado sombrio, ou seja, nossa essência. Quem
opta por ser sempre "bonzinho", revelando apenas a face social
de sua personalidade, vive pela metade, já que a natureza do homem
é dual. E torna-se uma pessoa eternamente insatisfeita, que critica
tudo e todos e está sempre botando defeito nos outros. Quem não
conhece alguém assim?
Como reconhecer a sombra
Ela está aí, dentro de você. Só precisa de
um olhar mais profundo:
Observe o que o irrita profundamente
nos outros. Quase sempre se trata de algum aspecto seu que você
preferiu esconder na sombra. Isso acontece porque somos programados para
projetar em outras pessoas as qualidades que não conseguimos ver
em nós: é um mecanismo de defesa involuntário.
Examine seus comportamentos
repetitivos, principalmente os que costumam sabotar seus projetos. Todo
comportamento habitual se origina de experiências do passado que
nos levaram a criar interpretações de nós mesmos.
Teatro de sombras
Desde o nascimento, aprendemos que alguns comportamentos são apreciados
enquanto outros são criticados. Como vivemos em uma sociedade que
aceita o bem e recrimina o mal, logo passamos a atuar um papel de "bonzinhos"
e, para corresponder a ele, "assumimos compromissos e obrigações
que acabam por nos sobrecarregar, deixando-nos irritados e com a sensação
de que estamos sendo explorados", explica Angelita Scardua.
O problema surge quando, em vez de enfrentarmos essas situações
de peito aberto, procurando encontrar soluções produtivas
para o incômodo que se instalou dentro de nós, optamos por
reprimi-las e fazer de conta que está tudo bem: uma hora, inevitavelmente,
explodimos.
O psicanalista americano Robert
Johnson, no livro Magia Interior (editora Mercuryo), conta que a cada
palestra ou nova obra em que trabalha, precisa ser tão disciplinado
e gentil o tempo todo que inevitavelmente o outro lado da balança
é ativado. "Se não revestir esse desequilíbrio
rapidamente, logo serei rude com alguém", confessa.
Nesses casos, é necessário
satisfazer a sombra, mas de uma maneira inteligente e que não prejudique
ninguém. Vale fazer rituais simbólicos, escrever histórias
de horror ou trancar-se no banheiro para soltar alguns palavrões.
Afinal, nossa mente não distingue o real do imaginário,
e esses pequenos truques nos eximem de descontarmos o nervosismo em cima
dos outros.
Faça-se a luz!
Ao reconhecer algum aspecto da sombra, é importante procurar aceitá-lo.
Se você sempre foi do tipo desapegado, que não liga para
dinheiro e de repente se pega com inveja do colega que comprou um carro
novo, não tente reprimir nem julgar sua ambição.
Reconheça que deseja coisas caras e que isso não o torna
melhor ou pior do que as outras pessoas. Faça uma lista e procure
entender o que você perde e o que ganha ao ser desapegado e ao ser
ambicioso, e defina em quais áreas da vida você estaria mais
disposto a usar sua ambição. Assista a filmes com essa temática
e analise os personagens. Esse exercício pode ser aplicado para
qualquer aspecto da sombra. Ele ajuda a trazer mais luz em sua vida. E,
com ela, uma paz de espírito que não tem preço.
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